quarta-feira

# PRÓLOGO


Havia jurado nunca mais me apaixonar e tinha certeza de que pelo menos essa promessa, cumpriria. Depois de uma série de encontros e desencontros catastróficos com todos os tipos de sapos, havia encontrado meu príncipe, e vivia feliz desde então. Pensar em sofrer por amor, de novo, seria ridículo, indecente e bem cafona. Impossível. Nem em caso de morte. Paixão era algo fora de cogitação. A paixão sempre foi perigosa, cheia de curvas e que te levava para caminhos, sempre, não apropriados. Não havia como apaixonar-me novamente, tinha um mundo perfeito, com um apartamento dos sonhos e tudo mais que o dinheiro pudesse comprar. Apaixonar-se, nessa altura do campeonato, seria absurdamente impensável. No entanto, não era o que você pensava. Não quando se apaixonou perdidamente e me abandonou. No início, me fiz de forte e depois desabei. Decidi não te amar mais e achei que assim resolveria todo o meu problema. Mas sempre houve um vazio. Um vazio tão profundo que chegava a doer na minha carne mole de não fazer nada. Um vazio que todo fim de tarde manifestava-se e que muitos amigos convencionaram chamar de depressão. Apesar da vida perfeita, sempre fui rotulado como o ‘depressivo triste’ e até tirava proveito desse título para fugir de compromissos sociais tediosos. Mas no fundo, bem lá no fundo, nunca me senti depressivo. Vazio sim, isso sinto todos os dias. Um buraco sempre houve aqui. Fundo, feio e desconhecido, mas era meu buraco, que cabia tudo, menos uma nova paixão. Mas eu precisava desnudar esse vazio para entender quem eu era, e mesmo fugindo das convenções, eu dei ouvido às vozes que me atormentavam e eu saltei nesse abismo e caí. Feito uma pedra.

Lady Gaga - Judas

PARTE UM

REJEIÇÃO DOLOROSA

# UM


ERA UMA VEZ

“O segredo do amor é maior do que o segredo da morte.” Oscar Wilde

I
            Gostaria de escrever um livro para te afrontar. Mas já escrevi tantos romances nunca publicados que resolvi, eu mesmo, publicar por você. E principalmente por mim. Para reduzir você a um personagem ruim por quem meus leitores criem uma trágica antipatia. Esse blog é dedicado a você, meu herói e meu vilão, para espantar meus demônios e quem sabe te fazer sofrer um pouco a dor que me causou. Quando eu queria escrever, você com toda sua erudição vivia a me criticar. Repetindo que eu apenas queria a vida boa dos escritores e que ficaria sentado esperando meu best seller chegar. Dizendo que eu deveria escrever mesmo que nunca venha a ser publicado e tudo o mais que você adorava jogar na minha cara. Pois só agora eu descobri que nunca conseguiria escrever ao seu lado, por medo, por críticas. Agora que o pior aconteceu escrever tornou-se tão necessário que vou seguir seus conselhos. Vou escrever, mesmo que nunca venha a ser publicado. Vou ser como o vizinho chato do andar de cima que toca um instrumento indecifrável por horas a fio, todos os dias. Terei a obstinação desse músico que em busca da melodia perfeita se debruça com afinco em seu instrumento. Vou escrever muito. Graças a você, a partir de hoje quero transformar toda dor em palavra, toda palavra em sentimento e todo sentimento em redenção. Tudo isso é por você. Por ter me abandonado quando havia jurado ser para sempre. Por ter simplesmente sumido da minha vida, sem maiores explicações. Vou lhe dizer como terminar um relacionamento de uma maneira decente, principalmente depois de seis anos. Esse blog é para você, querido Diogo, que me deixou através de um recado na caixa postal do celular e que me trocou por um personal trainer de origem duvidosa, detalhe que fiquei sabendo por acaso, por amigos em comum.


II
Como terminar um relacionamento de maneira politicamente correta e sustentável

Em uma análise mais fria da questão. Pessoas são como objetos. E objetos, como sabemos, quebram, passam da data de validade ou deixam de ser importantes. Pessoas, então, muitas vezes precisam de reciclagem, é a lei natural da vida. Mas, devido à imensa falta de educação no cenário político, social e televisivo, sinto-me no dever de elucidar (ou seria melhor refletir) sobre esse assunto, tão oportuno, que chega ao cúmulo de tornar-se uma grosseria e olha que não estamos falando de ônibus lotados e nem de furar a fila do banco.
            No entanto, vale reparar que o mundo anda mesmo muito mal educado. Dos políticos que fazem o que querem com a nossa cara, até a nós mesmos, que jogamos lixo pela janela do carro ou usamos mais do triplo de água necessário por dia. Como ninguém respeita mais ninguém mesmo, tudo vai se nivelando, infelizmente, para baixo.
            Relacionamentos são sempre complicados. E singulares. Cada caso é um caso, mas, no geral tem muitas coisas que nos aproximam uma das outras. Todos queremos ser amados, respeitados e merecedores de tal afinidade. Todo mundo sabe que comer de boca aberta é feio, mas nem todos têm esse mesmo discernimento quando o assunto é dar um pé na bunda. Não que esse seja o assunto mais fácil de se lidar, mas também não é um bicho de sete cabeças. Reuni um pequeno compilado de dicas que fariam do mundo um lugar melhor para se viver. Vamos lá?
  • Nunca termine um relacionamento às vésperas de um fim de semana, feriados prolongados ou datas comemorativas. Isso, além de deselegante, é cruel, principalmente para quem vai sofrer. A não ser que você queira fugir do presente, desaconselho totalmente.
  • Se o indivíduo que vai ser abandonado sofre de depressão, toma tarja preta, tem tendências suicidas, procure o psiquiatra da pessoa e peça instruções detalhadas. Mas cá entre nós, uma pessoa tão fodida assim vai ter alguém ainda?
  • Evite terminar o relacionamento quando a pessoa estiver alcoolizada ou drogada. Se a pessoa usa crack, nem pensar. Evite também a hora da ressaca. Melhor esperar o começo da noite antes que os efeitos especiais tenham chegado.
  • Nunca termine um relacionamento através de bilhetes, e-mails ou recados. O ser humano merece o mínimo de consideração.
  • Em hipótese alguma, use uma outra pessoa para terminar o relacionamento por você. Muito menos seus empregados. Sei de muitas histórias parecidas e sei o resultado horroroso para ambas as partes.
  • Ninguém é obrigado a ficar por ninguém. Muito menos por dó. Se essa é a sua resolução seja rápido, sincero e discreto. Dê todas as explicações e deixe claro que acabou.
  • Em último caso, invente uma boa desculpa. Escreva num papel e leia até decorar. Sei lá, inventa que virou evangélico ou que vai se mudar para uma comunidade Hare Krishna. Eu desistiria na hora. Ou, melhor: diga que entrou para Cruz Vermelha e vai pro Iraque.
  • Se a pessoa em questão é histérica, termine em lugares públicos. Mas se ela for mesmo muito histérica, invente uma doença, vá a um hospital, dê a notícia e peça ajuda especializada.
  • Se tiver amigos solteiros que um dia demonstraram interesse pelo ser abandonado, não seja ruim. Faça o cupido. Uma vez deu certo.
  • Algumas pessoas (muitas) são bem materialistas. Então, já que pelo menos por uns tempos você vai acabar com a vida alheia, seja generoso e compre um presente antes da fatídica notícia. Valem flores, livros de auto ajuda e até diamantes. Aliás, diamantes seriam perfeitos.
  • Se há bens envolvidos o melhor a fazer é procurar um bom advogado, desde que a outra pessoa seja avisada e não receba a notícia do especialista em direito de família que você contratou.
  • Depois de terminar, evite aparecer em público com outra pessoa, mesmo que essa pessoa tenha sido a causa do fim do relacionamento e já tenha um tempo de estrada. Três meses ou mais. Aprenda com as celebridades. Elas casam e descasam num piscar de olhos, mas sempre enrolam quando o assunto é um novo amor. É aquela história de apenas bons amigos...
  • Com amigos em comum vale a imparcialidade. No fundo, você sabe quem são seus amigos, mas você sempre pode surpreender-se. Melhor evitar detalhes. Também não vale contar aos amigos a intenção de separação, o assunto sempre vaza e vai por mim, melhor saber por quem você ama do que por outra pessoa.
  • E jamais desapareça. Isso é o mais alto grau de covardia que alguém pode ter para com o outro.
Brincadeiras à parte, cada um reage de uma maneira. Uns vão pro Twitter avisar a novidade como se fossem conhecidos a esse ponto, uns mudam a opção do status do perfil, uns choram, outros correm atrás do que perderam e muitos bebem. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, nessa hora.  A dor passa cada vez mais a fazer parte da sua vida e a partir daí entramos numa fase bem especial: a dor de cotovelo. Mas esse é assunto para o meu próximo post.

III
O RECADO NA CAIXA POSTAL

Gustavo, estou tentando falar com você. Não volto para casa hoje. Nem amanhã. Peguei minhas coisas e arrumei outro lugar. Não me liga, não. Não, agora. Fica com Deus! Diogo

IV
O RETWEET

RT @gugoanfion: E você, fica com o diabo! Como eu te odeioooo!


V
SONHETO III
Por Deus, eu te juro
Tinha certeza de que éramos feitos um para o outro.
Rima pobre de música ruim
Composição de iniciante
Nada nesse mundo ia nos separar.
Se Deus está vivo, agora, deve estar gargalhando da minha cara.
Assim também o faço agora.
Deus, Oh Deus!
Seu inferno é esse seu amor infinito.
Assim como é meu inferno. Mas se Deus está morto, esse infortúnio
É apenas uma calamidade.
Talvez uma fatalidade ligada ao aquecimento global.
Eu matei Deus em mim para adorar a um único senhor.
E agora, Senhor, Por que tu me abandonaste?
Não, sinto você aqui sofrendo comigo.


VI

E quer saber? Odeio esse seu estilo preppy, sempre tão arrumado, tão Lacoste com xadrez. Pra que tantos brasões? Quem você pensa que é? Você passou da idade de usar essas pólos ridículas, meu amor. Ah, mas com esse michê que você arrumou deve estar cada vez mais cafona. Mais que você sempre foi nessa elegância fake. No more preppies in my life! E aguarde, querido, um post sobre como se vestir depois dos 50, especial para você.

# DOIS


#O CHÃO É O LIMITE

“O que mais me impressiona nos fracos, é que eles precisam humilhar os outros, para se sentirem fortes...” Ghandi




I
A dor de ser abandonado é, sem dúvida alguma, a pior que eu já havia experimentado. Dor de canal dói, fratura exposta dói, tatuagem dói. Mas as dores não diagnosticadas nem exames de mais alta precisão são ainda inexplicáveis do ponto de vista físico. Experiências com ratos e macacos mostram-se ainda vagas e ineficazes nas explicações de perdas. Fui abandonado diversas e repetidas vezes. Logo cedo por minha mãe, um pouco mais tarde por um irmão que sucumbiu a uma grave doença, vovó que desapareceu entre outras tantas perdas não tão significativas. Sucessivamente perdendo como no poema da Bishop que eu tanto amo. E de abandono eu entendo, modéstia à parte e graças à literatura fui salvo uma vez. Escrevendo esqueci os inúmeros abusos físicos e psicológicos que meu corpo sofreu desde que me entendo por gente. Pobre menino rico, muitas pensariam, mas pouco me importa. Estou com todas as minhas cicatrizes abertas, expostas e purulentas diante de você e de quem mais quer que seja. Vou explodir uma a uma como bomba. Freudianamente falando estudei todos os traumas e os que me escaparam fizeram-me maior e melhor. Mexo e remexo minhas feridas em buscas de respostas que nunca me foram dadas. Mas respostas, que cada vez mais acredito, são só minhas. Quem procura o autor perdeu seu tempo. Aqui me torno pessoa física e assumo para mim todos os riscos. E que venham eles montados em escorpiões, serpentes e dragões. Estou preparado para todos eles. Isso você me ensinou. O que você não matou em mim, me fez mais forte!

II
SONHETO V
Esmurrei as paredes por dias.
Transferi uma dor para outra.
Enganei a dor, mas meus dedos ficaram inchados.
Senti que uma boa parte dos golpes era para você.
A outra era para mim.
Preferi esmurrar a parede para não fazer em você.
Senti-me mais leve.
Mas a dor dos ossos me impediu de escrever por uns dias.
Veja você o qual idiota eu sou.
Feri meu instrumento de vingança por você.
E valeu a pena?

Escrevo a mão porque gosto de ver o desenho de cada palavra que preenche o papel.
Não sou poeta, sou indigno dessa denominação.
Sou e sempre serei amador.
Transformo apenas os suspiros em verbo e faço da minha dor a matéria de onde tiro o meu sustento.
Como um padeiro.
Não sou alegre, não sou triste, não sou poeta.
Sou vazio e busco em partes de mim entender o todo.


III
Como sobreviver a um pé na bunda e ainda continuar vivo

            Levar um fora é péssimo, não há como negar. Mas há sim como sair dessa situação com o mínimo de dignidade e ainda um pouco de paz. Não que exista uma fórmula perfeita, mas bons conselhos podem ser úteis em momentos desesperadores como esse. Lembre-se não é o fim do mundo, não ainda. Às vezes, dá até para reverter à situação. Mas não garanto nada, cada história é uma história.           
            A dor de cotovelo pode muitas vezes ser confundida com depressão. É que não raramente elas caminham juntas, mas é preciso diferenciar uma da outra. Depressão requer ajuda médica, a outra, bem, a outra, também. No entanto, pequenas atitudes podem transformar você e quem sabe ajudam a superar essa fase.
* Auto estima é a palavra chave nesse momento. Tudo relacionado a esse tópico deve ser testado e de preferência todos ao mesmo tempo. Corte o cabelo, compre uma roupa nova, troque o carro... Vale tudo, porém descontrolando-se nesse tópico você pode arrumar um problema maior. Melhor usar moderação, mas tudo para você. Você foi abandonado e merece o mundo. Pelo menos, nesses primeiros dias.
* Por pior que esteja seu estado emocional, saia de casa. Mesmo que seja para ter uma crise de choro na gôndola de tomates do supermercado. É parte do processo.
* Esconda facas, objetos cortantes e tesouras. Principalmente nos primeiros dias.
* Não beba desinfetante. Além de não matar, deixa um gosto péssimo na boca.
* Evite descontar a frustração em bebida, comida e drogas. As contra indicações são óbvias e levam a depressão grave. Melhor começar uma dieta e aproveitar a falta de apetite e secar uns quilos. Nada mal, hein?
* Disse para não descontar na bebida, mas aceite todos os convites para happy hour e baladas que você receber. Depois de um tempo casado você precisa urgentemente atualizar-se no mercado que muda muito rápido.
* E para esses momentos, nada melhor que um amigo. Daqueles que nos entendem com um olhar, que tem paciência para nos ouvir e saco para nos aturar nessa delicadeza de estado. Pena que amigos não estão à venda em lojas, caro amigo Saint-Exupery. Ninguém patenteou sua idéia ainda.
* Por mais doloroso que seja, procure conhecer pessoas novas. Relacione-se sem medo e sem compromisso, só para afogar as mágoas. Quem sabe numa dessas você não se encanta novamente?
* Evite músicas depressivas, filmes de amor e até novelas. Entre para uma academia e passe lá o máximo de tempo que você conseguir. Ou procure livros de auto ajuda, embora falte literatura, sobra esperança e é exatamente isso que você precisa nesse momento. Melhorando, esqueça esses livros, por favor!
* Terapias alternativas, psicanálise e macumba também podem funcionar em alguns casos. Não custa tentar, não é mesmo?
* Viaje, mas evite lugares românticos. Saia para jantar, mas sempre com amigos. E não vá a casamentos, chá de cozinha e bodas de ouro. Invente uma desculpa. Todos entenderão.
* Arrumar um hobby também é uma opção bem divertida. Pode ser jardinagem, pintura ou até um trabalho social. Ocupar a cabeça é a melhor forma de esquecer. Uma boa idéia é criar um blog para acabar com a reputação de algum infeliz. Ou invista no trabalho social.
* Mas quando a dor vier, não a reprima. Chore mesmo. Onde quer que seja. As pessoas se chocam com essas demonstrações inesperadas de sentimentos e você pode surpreender-se. Esses dias na fila do banco até o segurança veio me trazer água. Achei elegante da parte dele e uma cena patética a minha, mas vale à pena. Guardar os sentimentos não pode. Vira câncer.

IV

Minha alma vagueia por tantos mundos. Flutua por sobre abismos feito alma penada. Assim sou eu me arrastando pelas ruas, me perdendo em flashs de noites de festas vazias. Apesar da leveza carrego a dor e o peso das coisas não feitas e das que ficaram pelo caminho sem eu me importar. Não sou luz, não sou som. Estou sempre à espera de algo maior que talvez nunca venha a chegar. Assim sou eu andando em círculos. Sou um grito abafado, um choro sofrido. Sou uma explosão de equívocos que nunca vai desistir de tentar. Minha cara maquiada esconde meus verdadeiros segredos e por medo, me calo diante das tuas acusações. Assumo sempre toda culpa. Quero ser livre, mas tantos mundos me convidam a sonhar. Deixo meu mundo e aprisono o que tenho de mais sagrado por uma vã felicidade que tarda a chegar. Mas tenho minhas pílulas para dormir, minha salvação. Mudo minha alma de lugar todas às vezes por todos vocês e não ganho nada com isso. Em constante movimento, sonho com minha terra perdida, que permanece intocável, meu Shangri-lá, entre araucárias e lembranças de tudo que um dia importou. Estará sempre lá quando eu estarei aqui. Distantes e separados por pedras nunca, nunca será como foi naquele dia e no outro, Segundos, minutos, horas se passaram. Nada ficou no lugar e minha alma dividida espera cada Lua Cheia para te ter aqui. Por um segundo que baste. Para lembrar da única vez em que fui feliz na vida. E disso eu realmente tenho medo de esquecer. Muitas coisas já me fogem da memória, esqueci sua voz. Esqueço-me das coisas boas. Do seu sorriso. Um dia, não sei ao certo que dia foi esse, eu fui feliz. Fui feliz porque não formulava perguntas, não me importava com as respostas. Tinha todas na ponta da língua e vivia cada dia como se fosse o Último. E um dia foi. Hoje me faltam todas as respostas, mas tenho que seguir. Propus-me a fazer isso e vou até o fim. Até onde isso pode chegar? Não sei. O mundo só existe porque eu quero que ele exista.

Beth Carvalho - VouFestejar (Com a Bateria da Mangueira)

# TRÊS


#DESIDRATAÇÃO EMOCIONAL

“Da traição nem Deus se livrou". Frase de pára-choque de caminhão

I
Desde pequenos criamos fantasias quando nos perguntam o que queremos ser quando crescermos. A grande maioria viaja: astronautas, cientistas, bailarinas, presidentes da República... Eu sempre quis ser escritor, mesmo sem saber ao certo o que fazia um escritor. Nunca me imaginei médico ou advogado. E sempre escrevi: lições, cartas, redações, poemas. Ganhei concursos, publiquei em coletâneas, diziam que eu seria um fenômeno. Publiquei um livro de poesias idiotas que eu paguei edição por edição. Publiquei meu primeiro romance por uma grande editora depois de longa data. O livro teve uma vendável razoável e me gerou muita mídia. Ganhei muitos prêmios e um deles foi você.  Já por pressão, vaidade e imaturidade fracassei em meu segundo romance. Pensava só em você e esqueci-me do que tinha que fazer.  Fui bombardeado pela crítica, mas consolado por seus braços. O terceiro romance eu nem cheguei a terminar. Está lá gaveta até hoje, sem título, feito um cão sem dono e sem rabo. Não conseguia mais escrever ao seu lado. Você me fez acreditar na realidade de novo e a ficção me parecia distante e fútil. Você me acomodou, com seus beijos, seu dinheiro e seu charme. E por mais que você negue, você sempre tentou apagar o meu brilhei. E o pior é que eu deixei. Mas agora te digo: nem você, nem ninguém jamais apagarão minha a estrela.




II

Por que você não cortou meus pulsos quando eu te implorei? Porque você não me matou de uma vez? Agora é tarde. Estou aqui, diante de você e de todos, sem pseudônimos para usar de muleta. Estou aqui para cortar meus pulsos diante de você. Transformar todo esse sofrimento em palavra e toda essa dor em poesia. E isso tudo, ainda tendo que escutar o vizinho tocar “Carinhoso’ por repetidas vezes. #depressao


III
SONHETO IV
Tenho trauma dos livros.
Alguns me fizeram tão mal que nunca me recuperei.
Livros marcam a gente para sempre.
Livros são frios.
Livros, não são como eu falando agora.
Livros são editados, recusados, modificados, corrigidos, revisados, traduzidos.
Livros envelhecem e cheiram mal.
O que eu escrevo tem o frescor e a liberdade da brisa no mar.
Autores distanciam-se demais, se desfocam para fugirem, mas estão lá, apesar de tudo.
Pelo menos isso, temos em comum.
Livros são caros.
Livro são elitistas.
Ninguém devolve livros emprestados.
Livro amassa.
Livros foram queimados.
Livros matam milhares de árvore.
Livros não vão a lugar nenhum.
Não quero ficar preso em um livro para sempre.

IV

Não posso ser injusto. Você me amou sim. Amou-me muito mais quando eu era belo e era alguém interessante. Mas foi deixando de me amar aos poucos, sem que eu percebesse. Sem que eu me tocasse. Você me amou, mas não até o fim. Precisava ter me amado quando eu menos merecia porque era exatamente quando eu mais precisava. A culpa foi minha, eu sei. E sei que humilhação não é levar o pé na bunda, é merecê-lo. Li isso atrás da porta do banheiro masculino e acho cada vez mais que mereci cada dor, cada lágrima, cada pensamento. Você era meu herói e me protegeu do mundo, obrigado! Você tentou esconder as coisas feias do mundo para que eu vivesse nosso lindo sonho colorido. Mas você abandonou o barco. Em alto mar. Deixou-me só, nu e com os dedos doendo. Meus olhos estão cansados e sua expressão no porta retrato mudou de fisionomia. Cansado de escrever e de buscar as palavras certas para você tomei algumas pílulas mágicas que vem em caixas de tarja preta e relaxei. Amanhã acordarei melhor. Assim, espero.


V

Sonhei com um anjo. Loiro e lindo. O sonho era meio estranho, mas me lembrei de alguns detalhes. Ele disse que era para voltar a escrever porque tinha muita gente precisando de conforto no mundo.


VI

Quem sou eu para confortar alguém no mundo? Logo eu?


VII

O dito momento em que você decide esquecer alguém quase nunca coincide com o exato momento em que você quer esquecer. Tanto amor, tantas palavras, tantos momentos de quase harmonia não podem ser relegados ao limbo das memórias afetivas confusas. Eu mesmo custo a querer esquecer certos detalhes. Seu sorriso de canto de boca, suas covinhas, seu cheiro depois do banho. Esses aromas simplesmente me enlouquecem e nessas horas eu desisto de te odiar e feito adolescente volto acreditar em conto de fadas. Veja você a minha idade mental. Mas sonho que um dia tudo vai voltar a ser normal. Ou até melhor. Você deixou um pé de meia perdido. Confesso que por dias dormi agarrado a sua meia usada. Depois eu acho que a Maria colocou para lavar não consigo mais encontrar. Ainda esqueço e compro seus pãezinhos torrados. Esses dias eu montei a mesa para dois e só me toquei quando já estava terminando. Estávamos tão distantes assim? Nunca saberei. Enfim, resolvi te esquecer, mas como disse antes, há um longo caminho entre o querer e o poder. Um dia, eu aprendo.


VIII

E nunca, nunca, Diogo, vai ser como foi naquele dia e no outro. Nunca mais. Muita água rolou e nem você e nem eu somos os mesmos. Dizem que o tempo cura tudo, mas acho que o tempo só afasta e separa cada vez nós mesmos. O destino, o destino, a vida, é tudo muito sacana. E o Tempo, cruel!

# QUATRO


TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada)

“Continuo a pensar que quando tudo parece sem saída, sempre se pode cantar. Por essa razão escrevo.” Caio Fernando Abreu

I
Tudo aconteceu faz um mês. Minha ficha começou a cair de uns dias para cá. Ausentei-me para tecer meu luto. Percebi que tudo tinha acabado no dia em que eu vi sua foto na coluna social com seu novo amor. Caiu a minha ficha e a minha resistência. Abri meu corpo para todos os tipos de infecções possíveis e caí de cama. Daqui escrevo e só levanto para postar. Acho um absurdo eu estar aqui sofrendo enquanto você desfila pelos salões bem acompanhado. Realmente ele é muito bonito. Muito gostoso. Muito gato. Ponto para você e até um consolo para mim por ter sido trocado por alguém tão belo. Pior seria se fosse o contrário. Você sempre teve bom gosto. Ele é belo e eu um fingidor que finge a dor que sinto e não deveras.


II
SONHETO VI

Perdas são como pedras.
Duras, pesadas, mas necessárias.
A perda chega a ser como a alegria quando você se acostuma.
Perdas pesam no bolso e na alma
Perdi tantas coisas.
Perdi chão.
Perdi a fé nas pessoas.
Perdi a fé em mim.
Deus parece uma criatura distante e apavorante.
Perdi minha mãe, amigos verdadeiros e uma cidade.
Mas me lembro o quão é irrisória a minha dor perto da dor de quem perde tudo.
Meu mundo desabou, soterrou e foi levado por uma enxurrada.
Perdi tudo.
Perdi você e a mim.
E assim me acostumando cada vez mais perco a pouca lucidez que ainda me resta.
E deixo pedras pelo caminho para quem sabe encontrar o caminho de volta.


III

Houve um lugar distante onde dores e alegrias eram mascaradas. Vivi seis anos nessa floresta encantada com todos os tipos encantadores de conto de fadas. Apareceu-me um dia um cavaleiro, em sonho, dizendo que havia vida além dos limites daquela floresta. Imaturo e vaidoso fugi dessa floresta atrás de um tesouro. Feito Parsifal.


IV

Só me lembro que era domingo. Acordei tarde, não estava com apetite ou ânimo algum. Com a casa em total desordem só conseguia pensar em furacões e tornados enquanto o vizinho arranhava Bach em seu instrumento esdrúxulo. Bach! Aquela música foi me levando a um transe quase religioso. Tomei um comprimido. Dois, Meia cartela e Bach continuava lá. Tinha sede e não havia um copo limpo. Encontrei cervejas na geladeira e tomei na lata mesmo. Duas. Ou três, não lembro. Pra fugir de Bach fui pro videokê. Dopado, infeliz e caindo. Logo eu apaguei. Acordei no chão mais angustiado e transtornado. Quebrei todos os pratos, xícaras e copos. Rasguei as cortinas. Me bati, me arranhei, me queimei com cigarro, chorei, esperneei e senti que aquela era mesmo a pior fase do luto. Grogue, liguei para a emergência e me fiz passar por um vizinho e pela primeira vez pedi ajuda.  A ajuda demorou. Perdi a noção do tempo, só sabia que era domingo, ainda. Deixei que me levassem. Estava tonto, mas não deixei de reparar em um dos enfermeiros. Me escorrei nele, claro, ensangüentado, querendo abraçá-lo descemos a escada do prédio. Precisava de alguém naquele momento e o cara estava de bom tamanho. Aliás, ótimo.

V

Todos conhecem o estado da saúde no Brasil. Mas mesmo em se tratando de saúde particular estamos bem longe do ideal. Tirando alguns desocupados quem procura um hospital está realmente sofrendo. Senão ficava em casa, não é mesmo? Além da frieza das atendentes, te fazem esperar horas e insistem em deixar a TV ligada nos piores programas, era domingo. Quando me chamaram já não agüentava mais. Fui com a cara do clínico geral que me atendeu. Mas não pensem mal, não estava a fim dele, apenas senti algo bom. Sensível e dopado comecei a contar tudo. Nunca tinha me abrindo dessa maneira, falei de abuso sexual, abandono, morte, dor mostrou meus ferimentos e chorei. E por mais incrível que pareça fiz o médico chorar. Talvez por ter se reconhecido na minha dor, talvez por cansaço ou tédio, talvez por estar sentindo o que eu sentia. Senti-o como um anjo. Ele me indicou um psiquiatra e um centro espírita e me deu duas escolhas: passar a noite no hospital ou tomar um ‘sossega leão’ e ir para casa. Escolhi a segunda opção e fui levado à sala de medicação. Lá tive uma crise de riso vendo tanta gente sofrer de verdade. Disfarcei o riso com um choro ainda mais canastrão. Vi a dor real e fugi dali correndo.


VI

Nove horas depois da medicação que deveria me derrubar estou aqui. A desgraçada da enfermeira me deu tudo menos um calmante. Se eu não estivesse tão mole, iria ao hospital agora e dava na cara dela.


VII


Amanhã ou me mato de vez ou começo uma nova vida, Amanhã, porque agora mal consigo manter os olhos abertos e vou escrever merda, bem sei. Amanhã...


VIII

Acordei na segunda. Resolvi lhe mandar flores. Escolhi Miosótis, um ramalhete bem grande. Deu trabalho encontrar. Queria ter mandado mesmo uma coroa de flores, o florista recusou-se. Ok, seria demais. Em inglês, miosótis é chamado de forget-me-not e, diz a lenda que um jovem amante afogou-se num rio para colher essas flores para sua amada. Escrevi um cartão sucinto e humilhante: “Forget-me-not because I can’t forget you!” Mais cafona, impossível.

PARTE DOIS

RECUPERAÇÃO GOZOSA

Latino Feat. Alan e Alisson - Caranguejo

# CINCO


#DA DEPRESSÃO À EREÇÃO

“Amar aos outros é a única salvação individual que eu conheço. Ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca” Clarice Lispector

I

Sempre odiei psicólogos, psicanalistas e psiquiatras. Tão cheios de teorias, experimentos e verdades. Sempre com as respostas para tudo na ponta da língua. Isso me irrita profundamente. Quem tem resposta para tudo na vida? Dos terapeutas, então, eu fujo. Principalmente dos holísticos. Já me deixaram duas horas tomando uma luz azul que achei que viraria um Avatar. Mas depois do episódio do pronto socorro, buscar ajuda era inevitável. Pensei em procurar um dos melhores profissionais da área, mas achei que seria chato e massante demais. Pensei em alguém em começo de carreira, mas logo desisti de ser cobaia. Resolvi enlouquecer mais ainda e procurei o menos convencional dos psiquiatras, o mais polêmico e desbocado que nem cara de psiquiatra tinha. Depois de uma luta pra arrumar um horário que se encaixasse nas minhas horas de sono e de novela cheguei ao consultório. De tanto repetir minha história já estava bem fácil e montei um resumo da minha vida começando pelos traumas freudianos da infância, passando pelas dúvidas junguianas e chegando enfim às questões existenciais. Queria parecer sabido e não uma dessas pessoas tristes e desesperadas que lotam os consultórios. Para o meu espanto, o único desesperado ali era eu. Chorei muito, coisa que não tem sido nada difícil. Lembro-me apenas de duas coisas que ele disse: que eu não me envergonhasse da minha dor porque embora não estivesse morrendo minha alma vomitava sangue e que além de medicação era bom eu procurar um centro kardecista. Será que os centros estão dando comissões aos médicos ou será que a Medicina já não consegue mais resolver problemas como o meu?

II

Deus faz milagres, mas alguns remédios têm esse poder. Minhas novas pílulas, top de linha, já estão fazendo efeito e sinto pelo menos desejo de vingança. Para quem queria morrer, já é um grande avanço. Vou me vingar de você, sim, Diogo. Da pior maneira. Ficando lindo, sendo o mais legal, aparecendo em todos os lugares para te deixar morrendo de ódio de ter me abandonado.  Convoquei Maria para uma operação de guerra. Doei todos os móveis ridículos que você me fez comprar. Troquei alguns móveis de lugar. Comprei uma cama nova, bem dura, como eu gostava. Pintei umas paredes, espalhei sal grosso pelos cantos da casa, troquei as fechaduras da portas e ressuscitei do mundo dos mortos. Hoje eu serei feliz!


III

Acordei. E quando digo isso me refiro ao sentido metafórico da coisa. Olhei-me no espelho todo arranhado e comecei meu plano de vingança. Be cool. Cabeleireiro, esteticista, dermatologista, pedicure e tudo o mais que coubesse naquela longa terça feira. Fiz até peeling. E procurei uma academia, claro. Todo vermelho e coberto dos pés à cabeça. Escolhi o personal trainer a dedo e recolhi-me para a fase da descamação, dignamente trancado em casa.


IV
O Destino, segunda a Mitologia, é filho da Noite e do Caos. Para resumir a história, um deus cego que tinha o globo terrestre debaixo dos pés e urnas nas mãos para encerrar a sorte dos mortais. Destino! Destino de aceitar o convite do Gui para uma balada. Destino de estar tão sexy. Destino de encontrar uma pessoa dentro do banheiro que mexe com a minha cabeça e minha imaginação. Merda de destino outra vez, naquele banheiro. Por acidente, destino ou coincidência nos encontramos naquele maldito banheiro. Ele deve ter 19 anos e os olhos mais verdes que eu já havia possuído. Eu ia sair, ele me empurrou e os detalhes já não importam mais Senti o gosto da cerveja e da desilusão. Pedi o telefone dele. Ainda se faz isso? Ele pediu o meu, marcou em seu super celular e não me deu o dele. E o destino, rindo de mim, me deu outro porre, desta vez, chamado Caio,

V

Sempre me achei ansioso, mas não tinha noção da minha neurose colegial até encontrar aquele garoto. Amando loucamente alguém que eu acabei de conhecer. Descambando novamente ladeira abaixo para aquele velho poemão ridículo e cheio de equívocos e decepções. Denunciando minha impaciência e meu imediatismo. Procurei o psiquiatra, precisava, além das pílulas mágicas, pílulas para dormir à noite. Caos e noite, pais do maldito destino. Já começo a perceber a minha culpa no processo, mas estou cansado demais. Não gosto que inventem nada sobre mim. Perdi a noção da realidade, mais uma vez. Logo eu que nunca fui popular, estava revivendo a época do colégio, amigo do menino mais fofo. Ai que meigo...


VI

Ele não me ligou. Passou um dia. Dois. Três. Uma semana. Dez dias. Aconteceu um terremoto seguido de tsunami no Japão e nada dele querer saber como eu estava me sentindo. Nada. Depois de 15 dias, ele ligou. Foi vago, falou de monte de coisa e me chamou para uma rave. Topei e apavorado liguei para Gabi, o que usar em uma rave?

VII

O que usar em uma rave sem parecer ridículo

Todo mundo, com exceção da minha vó, já ouviu falar de uma rave. Mas a própria denominação já é por demais confusa. Melhor nem comentar. Sou da era da discoteca, até meio dark, vocês podem achar.  Mas a idéia de começar uma balada que começa a ‘pegar’ depois das sete da manhã é no mínimo curioso. Com ajuda da Gabi, quase uma celebridade das raves e uma boa dose de Vogue consegui até encontrar algumas preciosidades para encarar com estilo e dignidade essa noite. Não engano minha idade, mas também não a revelo, assim, te cara. A quem ela interessa além de mim? Bem, vamos as dicas:
  • Cores fluorescentes são obrigatórias nesses eventos. Mas depois dos 30 anos não dá mesmo. Como tudo, do cenário aos participantes vai para esse tom, aposte em um preto. E arrase nos acessórios.
  • Óculos de sol e balada nunca combinaram. Essa é a única exceção. Aliás, obrigação.
  • Fique longe da galera que cospe fogo e faz malabarismo. Eles são irritantes.
  • Use botas, de preferência militares. Outro tipo de calçado é fria.
  • Nem todo mundo se droga. Mas sendo sincero, tem muita gente doida nesse meio. Fuja das eufóricas, das suadas e das que juram que te amam. Em raves as depressivas são as melhores companhias.
  • Parece deselegante o que eu vou dizer, mas tem gente que vai concordar. Leve comida. Uma barra de cereais que seja. Raves parecem nunca terminar.
  • Ao menor sinal da polícia desapareça feito Jeanne. Ou se estiver bem doidão camufle-se na paisagem.
  • O som das raves é muito chato e é o mesmo bate estaca a noite toda. Seja fina, carregue seu I-Pod com bate cabelo e arrase.
  • E não esqueça, desodorante, perfume e Listerine na bolsa. E já que está equipado, uma boa escova de cabelo.
  • Se alguém ousar de chamar de tio chame o segurança na hora e fala que tem menor vendendo droga na balada.
  • Fuja de todas as fotos que puder. Ninguém, nem mesmo a Gisele fica bela no auge da balada.
  • E tire pelo menos um dia inteiro de folga. Para se recuperar. Com whisky e nada mais, afinal, você merece. Eu não segui quase nenhuma dessas dicas, vesti uma bata indiana e fui vestido de Woodstock. Esse foi meu dress-code.


VII

Da rave lembro de pouca coisa. Flashs de um filme. Take um: nós na pista. Take dois: eu no bar. Take três: Caio e Kaká, meu amigo no banheiro. Take quatro: Ele me deixando em casa e dizendo o clássico: “Eu te ligo!”


IX
SONHETO VII
Jurei jamais amar outra pessoa.
Jurei jamais magoar um amor.
Jurei mentiras e verdades enquanto acreditava-me seguro em seus braços.
Também chorei ao seu lado.
Minto bem, mas já não conseguido controlar as emoções.
Mas deixarei de senti-las.
Por hora, apenas lamento.
Nunca agi com malícia.
Nunca instiguei diretamente.
Apenas fui atrás do que sempre me faltou
Deixei de me comportar.
Desejei e fui desejado.
Minha boca foi a alegria de muitos enquanto minha mente só queria vingança
Para te magoar enfiei bem lá no fundo, sufocando-me.
Sujo. Obscuro. Bizarro.
Foram tantos.
Até a minha culpa cristã não suportar mais e começarem as visões.
Eram os sonhetos.

# SEIS


#MERDA NO VENTILADOR

“É preciso sofrer depois de ter sofrido e amar, e mais amar, depois de ter amado.” Guimarães Rosa

I

Deus tem sido sacana comigo, aliás conosco. Nos cria á sua imagem e depois nos abandona nesse paraíso de pedra como tantos outros acabam nos abandonando também. Mas ele chega a ser sarcástico quando envia um novo amor. Não encontrei as primeiras respostas e já tenho tantas outras perguntas. Mas dizem que o Universo conspira a nosso favor. Seja verdade ou não, eu tenho uma possibilidade de amor. E só essa pequena fagulha já me satisfaz. Estou diante de um novo amor e sem sono. Abro um vinho e brindo com a Lua enquanto espero sua ligação. Olho para a Lua e chego a dizer que te amo.

II

Joguei meu celular contra a parede. Arrependi-me antes que se espatifasse em pedaços. Saí correndo atrás do chip e de pijama mesmo fui comprar outro aparelho. Estou, mais uma vez, ficando louco.



III
SONHETO VIII

Passamos dias felizes.
Tivemos ótimos momentos.
Rimos juntos.
Até choramos juntos.
Mas nunca te senti meu.
Não completamente.
Sabia que iria te perder em pouco tempo.
Mas queria correr os riscos.
Você e eu éramos nitroglicerina pura.
Eu precisava explodir.
E você nunca foi meu.
Perder-te além de inevitável era uma certeza.
Perder-me em você para não explodir de tédio.
Você foi meu escape
Mas o Universo desandou.
Planetas se realinharam e você nunca foi o mesmo da primeira vez.
E veio na minha cabeça o mesmo final previsível para todas as histórias; traição
Nunca fui infiel e não por sacanagem.
Por vergonha
Não ia ser agora.
Eu via o fundo do poço, mas minhas pílulas me impediam de pular.


IV

Como se vingar dos que te abandonaram com muito sarcasmo
Existem várias maneiras de se vingar de um crápula que te magoou. Alguns podem ser passionais, outros racionais, mas escorpiano que sou, vou ser bem vingativo. Se você tem grana, é bem mais fácil, claro. Basta contratar um modelo de capa de revista, vesti-lo feito em um editorial e desfilar, por aí. Mas apara os meros mortais, a vingança requer criatividade:
  • O primeiro passo é descobrir o ponto fraco de seu torturador. Todos tem um tendão de Aquiles. Uns pode ser a mãe, outros, o trabalho, outros, não poucos, as esposas.
  • Antes de tudo, defina se você quer uma vingança só para assustar ou algo para traumatizar mesmo. Minhas dicas tendem para a segunda opção.
  • Comece pelo telefone e celular. Chip novo é tão barato. Liga para o infeliz o dia inteiro. A madrugada também. Ou ele se desliga do mundo ou vai ter que trocar seus números e passar por um troca-troca de agendas nada legal.
  • Conte para amigos detalhes burlescos da pessoa. Se não tiver invente alguns. Diga que ele peidava a noite toda ou que chorava na hora de gozar. Essas coisas espalham que nem folhas ao vento. Falar de tamanho de pinto também é engraçado, mas se for mentira, ele pode provar.
  • Ligue para a mãe dele e diga que ele terminou com você porque você descobriu que ele gostava de pedofilia. E diga que o bairro todo já sabe.
  • Contrate uma drag ou transex para atormentá-lo no trabalho. Essa é batida, mas muito divertida. Com telegrama animado e filmagens, melhor ainda.
  • Se o encontrar, dê em cima dele. Depois do namorado dele. E quando a confusão se instaurar pegue o cara mais lindo e saia por cima. Pegue ou pague.
  • Mande para ele a conta do psiquiatra.
  • Divulgue as fotos íntimas só para os mais íntimos. Mas permita que eles copiem.
  • Quando o encontrar, e ele estiver sozinho, melhor ainda. Gargalhe da cara dele. Cochiche e faça amizade com o segurança. É ótimo para tirar o cara da jogada.
  • Não devolva nada que ele tenha te emprestado e peça tudo de volta, inclusive os orgasmos que você proporcionou.
  • E mantenha atualizado o blog que você fez para destruí-lo. Não há limiar judicial que barre uma dor de cotovelo.


V

Tudo pelo facebook. Eu senti algo estranho no ar. Fui investigando. Caio é geek! Um novo tipo de nerd mais vidrado em jogos e aplicativos que em gente. Pelo seu perfil eu descobri tudo que ele nunca me contou, com quem ele andou fazendo amizade. Ele é de uma geração diferente da minha. Não temos nada a ver. Descobri tudo pelo facebook. Assim como descobri uma certa ligação misteriosa com o Kaká, meu amigo, ou sei lá, o que ele é. Algo que me intrigou bastante. E confesso que usei de todos os artifícios e hackeando aqui e acolá eu juntei toda a verdade. Ele nunca me ligava porque nunca sentiu nada por mim. Eu era só uma farra. E agora ele estava bem ligado a outra pessoa. Parabéns! Pronto para eles. Pelo facebook dias depois ele me mandou uma mensagem. A última.

VI

Não entendo até agora como isso ainda está no ar. Nem sei por que eu mesmo continuo escrevendo. Resolvi um problema e logo arrumei mais dois. Como eu posso ser tão assim? Desse jeito? Sem mais idéias e sem ânimo vou dar um tempo nessa merda.

VII

Sou um Parsifal das redes sociais. Não sou celta, mas abandonado criança e criado longe da dor e da alegria profunda da vida. Sou um jovem qualquer em busca de vida como um cavaleiro medieval em busca fanática pelo Graal. Por não conhecer a verdade, experimentei tantos vícios, beijei tantas bocas, chorei em tantos ombros. Era imaturo demais. Sofri demais e endureci o couro Não conseguia e nem sabia que eram essas as duas questões mais importantes da vida. A primeira era o que me afligia? Entendi nesse processo, que antes de mim, vinham os outros, eu era um egoísta às avessas. E me afligia a idéia de ficar sozinho. Eu sofro, mas tem gente que sofre bem mais. Tem gente que fome de comida. Mas e eu? O que me afligia era a idéia de ficar sozinho. Mas e daí? Vivi até agora uma vida de pura aparência, vazia e oca, sempre esperando afeto em troca. De que adiantaria encontrar o Graal se eu não saberia o que fazer com ele. Cada vez menos sei e mais julgo por medo da minha própria consciência social. Faço-me de forte, mas sou fraco e covarde quando falo da miséria humana. Não sou um cavaleiro. Tenho nojo de mim e de meus semelhantes. Isso me aflige. A outra pergunta era mais difícil: “Para que serve o Graal?”.

VIII

Entre posts, tweets e milhões de SMS eu só me humilhei. Olhando tudo que eu escrevi até agora, senti-me envergonhado. No entanto, cada vez chega mais gente para compartilhar e eu não consigo parar. Mas preciso de um tempo. Pra mim. Para colocar a cabeça no lugar. Para mudar o ângulo de inclinação da minha alma ajustando-a a minha miopia galopante. Errei, mais uma vez. Assumo toda a culpa E começo a achar realmente que o problema na verdade sou eu. Carente, depressivo e atormentado demais. Calmo e manso de menos eu era o problema de todos os meus problemas, não eles. Assumirei a minha culpa o quanto for necessário. De joelhos, se preciso for.